sábado, 29 de março de 2014

FEIXES

Romualdo Bastos, nosso cruzadista da Vila Invernada, deu um gole no aperitivo, outro na cerveja, acendeu um cigarro, pigarreou, fez cara de conteúdo e disparou:

-- Todo homem é um feixe de hábitos.

lojamaconicasaojose14.blogspot.com

A turma que estava no bar do Carneiro balançou a cabeça afirmativamente e disse em uníssono: “É verdade, é verdade!” 

Romualdo Bastos, por ali, era tido em alta conta. Afinal, fazer palavras cruzadas todos os dias não é coisa pra qualquer um.

-- Pode até ser, seu Romualdo Bastos, pode até ser. Mas, depois de certa idade, todo homem vira  mesmo um feixe de dores – retrucou o Velho Marinheiro.


IMAGENS: JOSÉ SARNEY

NEI LIMA
AMARILDO
AMARILDO
AMARILDO
IQUE
AMARILDO
AMARILDO

















CLÓVIS CAMPÊLO

PEDAÇOS


Há tanto tempo me perco,
há tanto tempo me acho,
nem mesmo sei dos meus medos,
nem onde estão meus pedaços. (Recife, 2006)




NÚBIA NONATO

PESAR

Núbia Nonato

Remexo na caixa de lápis de cor
tento rabiscar um arco íris, mas
falta uma cor.
Não importa, era só um desenho.
É triste ver a chuva espantar
o sol que sem jeito, vai se
deitando até sumir...


sexta-feira, 28 de março de 2014

A ÉTICA DO CRUZ-CREDO (VOZES DAS RUAS)

CENA UM

-- Isso aqui não tem jeito, não, Jerônimo. Nossas leis são muito fracas. Não adianta prender bandido. O cara vai pra cadeia, dá uma despesa danada, faz de tudo pra fugir e voltar pro crime. Bandido não tem conserto. Não adianta julgar. Aqui, deveria ser como em outros países. O cara que for pego roubando tem que ser fuzilado na hora. Ou, então, ter a mão cortada. A gente precisa de um presidente macho, que bata na mesa e diga: agora, vai ser assim e assado. E não se fala mais disso. Nada de político palpitar... Tem que acabar com direitos humanos pra bandido.

-- Gostei: falou e disse.


g1.globo.com 

CENA DOIS

-- Viu a pesquisa, alienado?

-- Qual?

-- A que deu na televisão ontem à noite. A maioria concorda comigo. Sempre falei que as mulheres, não todas, são culpadas por muita coisa que sofrem na condução. Quem manda andar com saia curta, calça justa, peito pra fora? Tentam os homens, depois reclamam.

-- É verdade. Quem procura, acha. Minha mulher sempre fala isso: “Nunca fui pega”. Sou decente.

-- Vão se catar. Não digo pegar na marra. Mas um sarrinho não mata ninguém.

bocaderua.com.br

CENA TRÊS

-- E aí, moleque? Tudo bem?

-- Tudo, e você?

-- Tirando o filho caçula, tudo maravilha.

-- O que ele aprontou?

-- Passa trote pro SAMU. Todo dia. Pra PM também. 190. Está de férias. Falei pra ele duas coisas: "Se divertir é uma coisa, mas não pode criar problema pra família. Faça bem feito. Se te pegarem, mano, azar o teu. Mas não passe trote pros bombeiros. Eles são nossos soldados do fogo. Gente de moral. Não merecem".

-- É isso mesmo. Com os bombeiros não se mexe. 



IMAGENS: DJANIRA

Nascida em Avaré, interior de São Paulo, Djanira da Mota e Silva (1914-1979) foi pintora, desenhista, ilustradora e cenógrafa. É considerada uma das artistas brasileiras mais importantes do século XX.

















BRUNO NEGROMONTE

ESTÓRIAS E HISTÓRIAS DA MPB – PARTE 07
A personagem que hoje trago ao espaço do Lando ainda hoje é considerada uma das grandes intérpretes da nossa música popular brasileira. Referencia para muitas das cantoras que hoje frequentam os palcos brasileiros, Isaurinha Garcia foi considerada por muitos como a Edith Piaf brasileira ao longo dos seus mais de quatro décadas de carreira e cerca de 300 gravações.
Sua carreira teve início na década de 1930 e foi inspirada principalmente por nomes como Carmen Miranda e Aracy de Almeida e hoje, na semana em que completa-se duas décadas que ela partiu para o andar de cima, gostaria de trazer algumas histórias e curiosidades sobre a sua carreira.
A primeira história vem da época em que ela ainda era aspirante a cantora e participava de alguns programas de calouros. Muitas vezes sem dinheiro para apanhar o bonde Isaurinha ía a pé arriscar a sorte em alguns programas de calouros de sua cidade. Em sua primeira participação foi gongada, mas a partir da segunda já começou a ter o seu talento reconhecido e tirou primeiro lugar interpretando a canção “Camisa listada”, do Assis Valente.
Já consolidada como cantora ela recebe o título de rainha da rádio paulista e não sei o porquê a comemoração deste título não se deu na rádio paulista a qual Isaurinha estava vinculada, e sim em uma excursão no Nordeste, onde na Rádio Jornal do Commercio, situada em Recife, capital pernambucana, acabou criando um forte vínculo de amizade com o então radialista Fernando Castelão.
Dentre as curiosidades biográficas da cantora não poderia deixar de dizer que ela foi casada com um pernambucano. Sim! Um pernambucano… Isaurinha foi casada com Walter Wanderley, instrumentista já abordado por mim em um momento anterior aqui no JBF. Walter consolidou a sua carreira no exterior de modo bastante exitoso.
Quero deixar aqui para os amigos fubânicos duas canções do repertório da Isaurinha. A primeira canção trata-se de “Teleco-Teco”, composição do Murilo Caldas e do Murilo Caldas, gravada originalmente em 1942:
A segunda canção aqui apresentada trata-se do samba “Velho Enferrujado”, canção composta pela dupla Walfrido Silva e Gade e gravada originalmente pela cantora em 1950:

quinta-feira, 27 de março de 2014

HORA VITROLA: MARIA BETHÂNIA

SONHO IMPOSSÍVEL

Versão de Chico Buarque
Na interpretação de Maria Bethânia



Sonhar mais um sonho impossível
Lutar quando é fácil ceder
Vencer o inimigo invencível
Negar quando a regra é vender

Sofrer a tortura implacável
Romper a incabível prisão
Voar num limite improvável
Tocar o inacessível chão

É minha lei, é minha questão
Virar esse mundo, cravar esse chão
Não me importa saber
Se é terrível demais

Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz
E amanhã se esse chão que eu beijei
For meu leito e perdão

Vou saber que valeu
Delirar e morrer de paixão
E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão




QUE A VERDADE SEJA DITA

Lendo o noticiário “político”, não se pode chegar à outra conclusão:

No Brasil, os canalhas estão com os dias garantidos.

SÓ ANDO A PÉ

Chamada do Estadão:

“Travesti é detida por molestar homem no Metrô”.
www.ptalesp.org.br 

NÚBIA NONATO

CONVENÇÃO

Núbia Nonato


Sei escrever difícil não, o senhor vai me perdoar.
Sentimento moço? Gosto de quem gosta de mim
o resto eu passo adiante.
Poesia? Danou-se! Sei nem o que é.
Dia desses li umas que faziam rimas, minha amiga
me explicou.
Prestei atenção, eu juro pro senhor, mas não tenho
pretensão não...
Sou o que sou! Se digo que amo, há redenção, se
anuncio o meu perdão, o senhor creia, é de coração.
De resto, seu moço, sigo na lida, deixo a tal da
convenção para os que sabem mentir.


IMAGENS: CLÓVIS CAMPÊLO

NO COLO DO POETA


Recife/PE, fevereiro de 2013


BLOCO MINHA COBRA


Olinda/PE, 2013

quarta-feira, 26 de março de 2014

LINHA CORTADA



-- Mafalda: tenho muitos defeitos. Mas não sou mesquinho. Nem gosto de cuidar da vida alheia, porque não gosto que cuidem da minha. Agora, o que estamos gastando com telefone é um desconchavo.

-- Com seu celular?

O Velho Marinheiro se irritou, com o amor de décadas:

-- Não se faça de tola. Nem celular eu tenho. Não sou homem de andar com guizo, você sabe. A conta do aparelho fixo está um absurdo. Não ligo para ninguém, você também não, surda que é. E são ligações sempre para os mesmos três números. Que diabo é isso? De quem são os números? – quis saber nosso Lobo do Mar, à caça do bicho de pé imaginário.

-- De Tiago, noivo de Irene, sua neta do coração. Ela liga pra ele todo dia, várias vezes. Ele diz que é importante, quer impressionar o candidato com quem trabalha, parecer importante, diz que o retorno é certo. Paciência.

-- Paciência coisa nenhuma. Mafalda: Tiago tem quantas orelhas? Duas, suponho. Por que tem três celulares? Nem entende, por leso, o que a gente lhe fala ao vivo, num ouvido só. Acabo com isso já. Exibido, vagabundo. Ligue para a companhia e cancele a assinatura. Esse candidato nunca lhe pagou um centavo... Nem vai.

-- Será?

-- Mafalda: político é safado, mas não é besta. Tiago é inútil.


COLIBRI, COLIBRI

muydetodo.blogspot.com 

Estamos nas mãos de abutres.

terça-feira, 25 de março de 2014

LOIRA CABEÇA

-- Irene, Irene: por que você pinta o cabelo de amarelo? Sua avó é marrom. Seu avô, preto.

-- Não pinto de amarelo. Pinto de loiro.

-- Que seja. Mas, por quê?

-- Pra dar veemência à minha inteligência.





HORA DA VITROLA: TIM MAIA

A FESTA DE SANTO REIS

De: Márcio Leonardo
Na interpretação de Tim Maia




Hoje é o dia do Santo Reis
Anda meio esquecido
Mas é o dia da festa do Santo Reis

Hoje é o dia do Santo Reis
Anda meio esquecido
Mas é o dia da festa do Santo Reis

Eles chegam tocando sanfona e violão
Os pandeiros de fita carregam sempre na mão
Eles vão levando, levando o que pode

Se deixar com eles, eles levam até os bode
É os bode da gente, é os bode mééé...
É os bode da gente, é os bode mééé...

Hoje é o dia do Santo Reis (hum...)
Hoje é o dia do Santo Reis (Hoje é o dia)
Hoje é o dia do Santo Reis (É o dia da festa)




GUGA

Foto: BOA NOITE, GUGA.
BOA NOITE, JOHN BOY...  

Ontem à noite, olhei meu velho GUGA, futuro presidente emérito da República Canina do Brasil. Estava agasalhado, com duas roupinhas, mais cobertor, coberto do beijo dos filhos, na sua cama, à espera de guloseima. Um BIS, quem sabe? O frio estava bravo demais. Aos quinze anos, não vamos privar o cachorro de nada, certo? Muito menos do carinho recíproco. Que não se encerra.
Meu querido


Naquela casa está faltando ele...
E a saudade dele bate forte, aumenta a cada dia.
Em mim. Em nós.
Pode?
Pode.



JUNTA MÉDICA

Juvenal, desde sempre, foi o que é: um desassossegado. Em meia hora, tem um milhão de idéias, duas centenas de planos geniais – na opinião dele, claro –, uma lista extensa de ações que não saem do papel, por inviáveis. A família já não suporta mais ouvir sua cantilena. Os filhos não lhe dão ouvidos. Carlota, a mulher, em busca de um pingo de paz, cava a própria sepultura:

-- Vá tomar uma, Juvenal, pra se acalmar um pouco.

Juvenal vai. E Juvenal volta mais agitado do que foi: cheio de novos planos inúteis. Juvenal não dá o passo. Juvenal é otimista em pensamento, mas pessimista na ação. Só vê obstáculos. Para ele, há sempre um “porém”, há sempre um “senão”.



A família tentou de tudo: clínico geral, psicólogo, psiquiatra, pai de santo, benzedeira, sessão de descarrego etc. E tudo deu em nada. Juvenal continua cheio de planos. Mas não tira a bunda da cadeira.

A família, depois de tantas idas e vindas, resolveu consultar o Velho Marinheiro, que, pra variar, foi direto ao ponto:

-- Cortem o dinheiro da cachaça e do cigarro dele. Juvenal é mandrião.



CLÓVIS CAMPÊLO

BOM DIA, MULHER ARANHA!


Bom dia, mulher aranha!
Mais uma vez tecendo a sua teia,
como é da natureza de todas as aranhas.

Dizem que o canto das aranhas
é mais poderoso do que
o canto das sereias.

Acredito!
Eu mesmo já me sinto
irreversivelmente por ele
envolvido.

De nada adiantou aumentar
o volume dos Stones na vitrola.

De nada adiantou o grito aflito
da buzina do meu carro.

De nada adiantaram os
três apitos da fábrica de tecidos
ferindo os meus ouvidos.

Rendo-me e peço clemência.
Submeto-me ao encantamento
da doce melodia.
Mergulho na rede com a certeza
do inelutável e do ineludível.

Mais uma vez,
o futuro me absolverá!


(Recife, 2006)