quarta-feira, 30 de abril de 2014

HORA DA VITROLA: ERASMO CARLOS

PEGA NA MENTIRA

De Roberto Carlos e Erasmo Carlos



Zico tá no Vasco, com Pelé
Minas importou do Rio, a maré
Beijei o beijoqueiro na televisão
Acabou-se a inflação
Barato é o marido da barata
Amazônia preza a sua mata
Tá Tá Tá...

Pega na mentira
Pega na mentira
Corta o rabo dela
Pisa em cima
Bate nela
Pega na mentira...

Já gravei um disco voador
Disse a Castro Alves seu valor
Em Copacabana não tem argentino
Sou mais moço que um menino
Vi Papai Noel numa favela
O Brasil não gosta de novela...

Pega na mentira
Pega na mentira
Corta o rabo dela
Pisa em cima
Bate nela
Pega na mentira...

Sônia Braga é feia, não é boa
Já não morre peixe, na Lagoa
Passa todo mundo no vestibular
O amor vai se acabar
Carnaval agora é um dia só
Sem censura e guaraná em pó
Pó Pó Pó...

Pega na mentira
Pega na mentira
Corta o rabo dela
Pisa em cima
Bate nela
Pega na mentira...(5x)


RAPIDÍSSIMAS (VII)

ibmontesiao.com


ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA...
Melhor comprar uma furadeira. É mais barato, mais rápido e ecologicamente correto.

LIVROS
Melhor emprestar a mulher (ou o marido), embora a chance de devolução seja maior.
Infelizmente.

TÉDIO
Não sei quem me aborrece mais: se os novos ricos ou se os velhos pobres.

EIS A QUESTÃO
Sabemos que amanhã será outro dia. Mas quem nos garante que estaremos por aqui?

TIMIDEZ
Você me comeu com os olhos a vida toda. Só com os olhos! Que pena. Que lástima.

DEUS AJUDA QUEM CEDO MADRUGA
Duvido. Ele não deixaria a ver itas os trabalhadores noturnos e os boêmios.




PROFISSÃO: REPÓRTER – CASOS E PERIPÉCIAS

ENTREVISTADOS DE QUEM SOMOS
TIETES OU ADMIRADORES

Joaquim Macedo Júnior

  
(POR JOAQUIM MACEDO JÚNIOR) Ao longo de uma trajetória de repórter de assuntos gerais, em rádio, não são muitos os momentos em que se tem a oportunidade de entrevistar ou apenas participar de coletiva com figuras de grande fama, nome, carisma. Matutando dia desses sobre quais oportunidades tive, relacionei não mais que duas, três.

Excluí, de antemão, os presidentes da República brasileira, ministros, governadores e outros políticos em ação nos seus cargos. Pelo óbvio e também porque não tive grande sorte. Estes foram Sarney e João Figueiredo, algumas tantas vezes, em encontros que não me trouxeram nenhuma emoção.

Ah, sim, o Tancredo Neves, em outras situações, já como candidato às eleições pelo colégio eleitoral, tinha sua graça. Lembro-me de visita que fez a Ivete Vargas, aqui em São Paulo. Cara carrancuda e jeito de avô, Tancredo era parte da história viva do Brasil e poder conhecê-lo, o pouco que fosse, não deixou de ser instigante.

Não deixava pergunta sem resposta, mesmo que essa fosse apenas uma peça de ficção para entreter o entrevistador. Baixinho e muito rápido, era mais que afável com as repórteres mulheres e cautelosamente educado com os cavalheiros de microfone. Sua discriminação era visível: “Como é, minha filha”... Mineirão danado. Aos rapazes, as perguntas seguintes. Safadinho, o doutor Tancredo.

Mas vamos aos dois atores que me deixaram mais na condição de tiete, que de entrevistador.

Fui escalado para a chegada do então primeiro-ministro canadense Pierre Trudeau (Montreal, 1919-2000), no início dos anos 80. Veio fazer contatos com o governo de São Paulo e iria a Brasília. Primordialmente, fizemos perguntas políticas, como as primeiras eleições aos governos estaduais no Brasil, em 1982 .Eu confesso que achei o sujeito simpático, elegante, bem apessoado e pude conferir o que muitos taxavam como marca pessoal de Trudeau: o traje esporte simples, paletó, gravata e.... tênis. Na época, uma verdadeira ousadia. Fiquei feliz em conversar por alguns minutos com o político importante. As colegas, porém...

Pierre Trudeau

Outra situação, de grande prazer e alegria, e que chega a paralisar o repórter por alguns segundos, é estar e ficar diante de Jorge Amado, entrevistando e, depois, tendo o prazer de compartilhar uma conversa informal com o escritor baiano na sala da presidência da Câmara de São Paulo, aonde viera receber honraria da Casa. Foi entre 1986 e 87 e a conversa muito boa, porque, mais do que falar de suas “Gabrielas” e “Jubiabás”, nos deu uma aula sobre a Constituinte de 1946, da qual participou como deputado.

Para finalizar, como não me sentir honrado e pegar carona no bonde da história, ao ser escalado para entrevistar Miguel Arraes de Alencar, na sala de imprensa do Aeroporto de Congonhas? O setor era brilhantemente coberto pelo grande amigo Amorim Filho, mas como o personagem só chegaria às 10/11 horas, fui cobrir já que o “mano veio” ficava ali, falando dos pássaros de prata no horário das 6 às 9 da manhã.

Dessa entrevista, não tenho muito mais o que dizer não. Fiz as perguntas que estavam estritamente na pauta, sem desviar um centímetro do tema e fiquei olhando para o homem que vira chegar nos braços do povo, poucos anos antes, em 1979, no grande evento da chegada dos anistiados, no Recife, no bairro de Santo Amaro.

Ali, foi só emoção. O cearense mais importante de Pernambuco, um dos maiores brasileiros da história. Era o doutor Arraes. E ponto. Pena que não tivesse “selfie” naquela época.


Miguel Arraes



  


terça-feira, 29 de abril de 2014

CHACRINHA E O AUTOQUE RETAL


tvfoco.biz

Não são poucos os parlamentares – vereadores, deputados e senadores – que levam ao paroxismo aquela máxima de Abelardo Chacrinha Barbosa: “Na televisão, nada se cria, tudo se copia”. Quem conhece o Legislativo sabe bem como a coisa funciona. Há parlamentares que escalam assessores para acompanhar com lupa os projetos de seus pares publicados no Diário Oficial. Objetivo: copiá-los, com pequenas alterações, para, digamos assim, “enriquecer” seu currículo e engabelar eleitores incautos. Muitos, no final de cada ano, saem alardeando: “Apresentei mais de uma centena de projetos, não tenho culpa se a Casa não os aprova”. São uns cínicos.

Mas há uma categoria de parlamentares ainda pior que a dos “copiadores”: são os que se pretendem criativos e se metem em assuntos que não entendem. Anos atrás, na Assembléia Legislativa de São Paulo, um deputado sério, urologista renomado, apresentou projeto que criava um programa cujo objetivo era promover a detecção precoce do câncer de próstata. À época, o projeto, que virou lei, teve boa repercussão na imprensa.

Um colega seu de bancada, engenheiro, moço de modos maneiros, resolveu pegar uma carona: apresentou projeto que obrigava o governo do Estado a desenvolver e distribuir cartilhas incentivando os homens a fazer o autotoque retal, isso mesmo: o autotoque retal. Afinal, deve ter pensado o engenheiro, mulheres não fazem o autoque da mama? 

Felizmente, a comissão de Saúde abortou a ideia maluca.      


USP, 80 ANOS: NADA A COMEMORAR

www.iag.usp.br


A folha de pessoal da USP não cabe em seu orçamento. A Universidade consome 105% do que recebe apenas com o pagamento de professores e funcionários. De julho de 2012 até agora, teve de gastar R$ 1,3 bilhão de suas reservas financeiras para cobrir o rombo crescente. As reservas, que naquele período eram de R$ 3,61 bilhões, estão agora em R$ 2,31 bilhões.

Ao desperdício do dinheiro público, soma-se a queda de seu prestígio acadêmico, segundo a Times Higher Education (THE), revista britânica que faz os principais rankings mundiais de ensino superior.

Em 2014, a Universidade de São Paulo completa 80 anos. Não tem o que comemorar. 

Só pode haver algo de "estranho", para não dizer "podre", nesse reino da Dinamarca.
   


IMAGENS: CHICO ANYSIO

Por LUcas Leibholz



Por Aroeira



Por Amarildo


Por Amarildo


Por Eddie


Por Ziraldo



Por José Augusto Lima Rodrigues



Por Amarildo

QUANDO O AMOR ACABA (II)

CENA UM

-- Por que você não corta as unhas do pé? Estão imensas, parecem garras. Que horror!

-- Pela mesma razão que você não cuida da micose do dedão esquerdo: a barriga não deixa.

CENA DOIS

-- Você fuma demais, sempre fumou, fede cigarro. Fumasse e bebesse menos, a gente estaria melhor de vida.


-- É verdade. Se você também não tivesse comido tanto nos últimos trinta anos, a gente teria casa própria.

CLÓVIS CAMPÊLO

LUAR SOBRE O CAPIBARIBE


Recife/PE, 2000
Fotografia de Clóvis Campêlo


RUÍNAS E IGREJA


Alcântara/MA, dez/2012
Fotografia de Clóvis Campêlo


NÚBIA NONATO

PEGADAS

Núbia Nonato

Finco meus pés
na areia,    por
alguns segundos
não os vejo mais.

Prolongo o meu
olhar no vasto
horizonte à
minha frente.

Pego carona na
primeira lufada
de vento...
Mas deixo minhas
pegadas para que
não me percas.


br.freepik.com

segunda-feira, 28 de abril de 2014

HORA DA VITROLA: MILTON NASCIMENTO

TRAVESSIA

De Milton Nascimento e Fernando Brant



Quando você foi embora
Fez-se noite em meu viver
Forte eu sou mas não tem jeito,
Hoje eu tenho que chorar
Minha casa não é minha,
E nem é meu este lugar
Estou só e não resisto,
Muito tenho prá falar

Solto a voz nas estradas,
Já não quero parar
Meu caminho é de pedra,
Como posso sonhar
Sonho feito de brisa,
Vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto,
Vou querer me matar

Vou seguindo pela vida
Me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte,
Tenho muito que viver
Vou querer amar de novo
E se não der não vou sofrer
Já não sonho, hoje faço
Com meu braço o meu viver

Solto a voz nas estradas,
Já não quero parar
Meu caminho é de pedra,
Como posso sonhar
Sonho feito de brisa,
Vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto,
Vou querer me matar

Vou seguindo pela vida
Me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte,
Tenho muito que viver
Vou querer amar de novo
E se não der não vou sofrer
Já não sonho, hoje faço

Com meu braço o meu viver

CHÁ DAS CINCO: ARMANDO NOGUEIRA

PELADAS

revistaquem.globo.com

Esta pracinha sem aquela pelada virou uma chatice completa: agora, é uma babá que passa, empurrando, sem afeto, um bebê de carrinho, é um par de velhos que troca silêncios num banco sem encosto.

E, no entanto, ainda ontem, isso aqui fervia de menino, de sol, de bola, de sonho: "eu jogo na linha! eu sou o Lula!; no gol, eu não jogo, tô com o joelho ralado de ontem; vou ficar aqui atrás: entrou aqui, já sabe." Uma gritaria, todo mundo se escalando, todo mundo querendo tirar o selo da bola, bendito fruto de uma suada vaquinha.

Oito de cada lado e, para não confundir, um time fica como está; o outro jogo sem camisa.

Já reparei uma coisa: bola de futebol, seja nova, seja velha, é um ser muito compreensivo que dança conforme a música: se está no Maracanã, numa decisão de título, ela rola e quiçá com um ar dramático, mantendo sempre a mesma pose adulta, esteja nos pés de Gérson ou nas mãos de um gandula.

Em compensação, num racha de menino ninguém é mais sapeca: ela corre para cá, corre para lá, quiçá no meio-fio, pára de estalo no canteiro, lambe a canela de um, deixa-se espremer entre mil canelas, depois escapa, rolando, doida, pela calçada. Parece um bichinho.

Aqui, nessa pelada inocente é que se pode sentir a pureza de uma bola. Afinal, trata-se de uma bola profissional, uma número cinco, cheia de carimbos ilustres: "Copa Rio-Oficial", "FIFA - Especial." Uma bola assim, toda de branco, coberta de condecorações por todos os gomos (gomos hexagonais!) jamais seria barrada em recepção do Itamarati.

www.onlinephotographers.org

No entanto, aí está ela, correndo para cima e para baixo, na maior farra do mundo, disputada, maltratada até, pois, de quando em quando, acertam-lhe um bico, ela sai zarolha, vendo estrelas, coitadinha.

Racha é assim mesmo: tem bico, mas tem também sem-pulo de craque como aquele do Tona, que empatou a pelada e que lava a alma de qualquer bola. Uma pintura.

Nova saída.

Entra na praça batendo palmas como quem enxota galinha no quintal. É um velho com cara de guarda-livros que, sem pedir licença, invade o universo infantil de uma pelada e vai expulsando todo mundo. Num instante, o campo está vazio, o mundo está vazio. Não deu tempo nem de desfazer as traves feitas de camisas.

O espantalho-gente pega a bola, viva, ainda, tira do bolso um canivete e dá-lhe a primeira espetada. No segundo golpe, a bola começa a sangrar.

Em cada gomo o coração de uma criança.


RAPIDÍSSIMAS (VI)

nilljunior.com.br


PÃO E CIRCO
Nem só de pão vive o homem. Um sexinho de vez em quando é bom.

INSÔNIA
Por crônica, lhe roubou o pouco que lhe restava: os sonhos comezinhos.

CLÁUSULA PÉTREA
Toda ditadura é uma lástima. A dos politicamente corretos não foge à regra.

TÉDIO
Não sei quem me aborrece mais: se os novos ricos ou se os velhos pobres.

MÃO LEVE
O pidão é pior que ladrão. Quem rouba, uma hora, é pego. O pidão tem vida longa.

PAPAGAIO VELHO...
Não aprende a falar. Pena que a regra não valha para os novos. Papagaio é um saco.






domingo, 27 de abril de 2014

PETROBRAS

Já que roubaram tanto e tanto e por tanto tempo, por que não pagaram uma plástica pra Foster?
Senhor: há coisas que não compreendo. 
Perdão. 
Chega a ser desumano o que o PT faz com os seus.

FAROESTE FEIJOADA

Quem mata Celso apaga Vargas. Cadê o xerife?


sábado, 26 de abril de 2014

OURO DE TOLO

Mestre Lan

Aquele chacoalhar de ancas de Deolinda prometia tudo, entregava nada, promessa deslavada.

POBRE BRASIL

www2.radiorock.com.br

Há ladrões (CDA escreveria têm, ele poderia, eu não) por todo canto, até na cadeia.

BICOTAS

www.tocadacotia.com



Querida, eu sei, eu sei... Quem não sabe?
Você deu um selinho, esperava outro de volta.
É natural.
Ganhou duas beiçolas abanando.
Podia ser pior. Sempre pode ser pior.
Não reclame.

NÚBIA NONATO

DODÓI

Núbia Nonato


Chá de boldo, aroeira
chá de canela, funcho
erva cidreira.

Chá de rosa branca
de capim limão...

Qualquer chá serviria
se viessem de vossas
mãos...

O dodói até que passa
mas essa saudade...




CLÓVIS CAMPÊLO

COMO É GOSTOSO O MEU PORTUGUÊS



Existe hoje, na língua portuguesa falada e escrita no Brasil, uma grande confusão quanto ao uso correto das palavras perda e perca.

A primeira, segundo o Aurélio que me acompanha há décadas, trata-se de um substantivo feminino, que significa ato ou efeito de perder, privação de alguma coisa que se possuía, privação da presença de alguém, extravio, sumiço, prejuízos sofridos pelo credor em consequência da diminuição do seu patrimônio, ou mesmo morte, desaparecimento ou falecimento.

A segunda, ainda com base na mesma fonte, nomeia um peixe acantopterígeo, de água doce, e de carne muito saborosa. Mas, na linguagem popular e coloquial também pode significar perda, prejuízo ou dano.

Ao mesmo tempo, ainda, perca também pode se referir a uma flexão do verbo perder, no tempo condicional.

Ou seja, talvez eu me perca nesse texto ao achar que seria uma grande perda não perceber a possibilidades dessas duas nuances.



A rigor, porém, entendo que dentro da utilização da norma culta o termo perda seja mais bem indicado na construção frasal. Entendo, no entanto, que sendo a língua uma entidade viva e que se transforma ao longo do tempo no sentido de facilitar a comunicação entre as pessoas e as instituições, nada impeça que o segundo termo seja usado sem constrangimentos. Afinal, a língua é do povo como o céu é dos satélites e dos intelsates.

E foi assim, submetido aos ditamos da fala popular, misturando os dialetos locais com o latim vulgar disseminado pelos romanos no continente europeu, que a língua portuguesa, a última flor do Lácio, nasceu. E foi assim que ela também se modificou, depois de formada, assimilando novas palavras e expressões nos lugares e países para onde foi levada pelos portugueses conquistadores da Idade Média.

E ainda é assim, nos tempos de hoje, que ela continua a se transformar e assimilar novas expressões criadas por quem a fala e pelas novas necessidades oriundas das invenções e transformações do mundo moderno.

Recife, 2014



sexta-feira, 25 de abril de 2014

PARCERIA

Os idiotas vão longe. Com nossa conivência.

CHÁ DAS CINCO: LOURENÇO DIAFÉRIA

HERÓI. MORTO. NÓS

(Crônica publicada em 1º de setembro de 1977.
Neste texto foi mantida a grafia original da época.)
Uma crônica extraordinária. Num tempo em que era proibido falar.
Sua benção, mestre Diaféria.
Obrigado, Quincas, pela lembrança oportuna.


Adicionar legenda




Não me venham com besteiras de dizer que herói não existe. Passei metade do dia imaginando uma palavra menos desgastada para definir o gesto desse sargento Sílvio, que pulou no poço das ariranhas, para salvar o garoto de catorze anos, que estava sendo dilacerado pelos bichos.

O garoto está salvo. O sargento morreu e está sendo enterrado em sua terra.

Que nome devo dar a esse homem?

Escrevo com todas as letras: o sargento Silvio é um herói. Se não morreu na guerra, se não disparou nenhum tiro, se não foi enforcado, tanto melhor.

Podem me explicar que esse tipo de heroísmo é resultado de uma total inconsciência do perigo. Pois quero que se lixem as explicações. Para mim, o herói -como o santo- é aquele que vive sua vida até as últimas consequências.

O herói redime a humanidade à deriva.

Esse sargento Silvio podia estar vivo da silva com seus quatro filhos e sua mulher. Acabaria capitão, major.

Está morto.

Um belíssimo sargento morto.

E todavia.

Todavia eu digo, com todas as letras: prefiro esse sargento herói ao duque de Caxias.

O duque de Caxias é um homem a cavalo reduzido a uma estátua. Aquela espada que o duque ergue ao ar aqui na Praça Princesa Isabel -onde se reúnem os ciganos e as pombas do entardecer- oxidou-se no coração do povo. O povo está cansado de espadas e de cavalos. O povo urina nos heróis de pedestal. Ao povo desgosta o herói de bronze, irretocável e irretorquível, como as enfadonhas lições repetidas por cansadas professoras que não acreditam no que mandam decorar.

O povo quer o herói sargento que seja como ele: povo. Um sargento que dê as mãos aos filhos e à mulher, e passeie incógnito e desfardado, sem divisas, entre seus irmãos.

No instante em que o sargento -apesar do grito de perigo e de alerta de sua mulher- salta no fosso das simpáticas e ferozes ariranhas, para salvar da morte o garoto que não era seu, ele está ensinando a este país, de heróis estáticos e fundidos em metal, que todos somos responsáveis pelos espinhos que machucam o couro de todos.

Esse sargento não é do grupo do cambalacho.

Esse sargento não pensou se, para ser honesto para consigo mesmo, um cidadão deve ser civil ou militar. Duvido, e faço pouco, que esse pobre sargento morto fez revoluções de bar, na base do uísque e da farolagem, e duvido que em algum instante ele imaginou que apareceria na primeira página dos jornais.

É apenas um homem que - como disse quando pressentiu as suas últimas quarenta e oito horas, quando pressentiu o roteiro de sua última viagem- não podia permanecer insensível diante de uma criança sem defesa.

O povo prefere esses heróis: de carne e sangue.

Mas, como sempre, o herói é reconhecido depois, muito depois. Tarde demais.

É isso, sargento: nestes tempos cruéis e embotados, a gente não teve o instante de te reconhecer entre o povo. A gente não distinguiu teu rosto na multidão. Éramos irmãos, e só descobrimos isso agora, quando o sangue verte, e quanto te enterramos. O herói e o santo é o que derrama seu sangue. Esse é o preço que deles cobramos.

Podíamos ter estendido nossas mãos e te arrancando do fosso das ariranhas -como você tirou o menino de catorze anos- mas queríamos que alguém fizesse o gesto de solidariedade em nosso lugar.

Sempre é assim: o herói e o santo é o que estende as mãos.

E este é o nosso grande remorso: o de fazer as coisas urgentes e inadiáveis –
tarde demais.