sábado, 13 de agosto de 2016

COLUNA DO CLÓVIS



 


SANGUE E COCA-COLA


(Por Clóvis Campêlo)  Ao entrar na sala percebera na parede do lado direito a imagem de uma loira do tipo Marylin Monroe montada sobre uma imensa garrafa de coca-cola.

Os cabelos oxigenados e o largo sorriso da loira deixavam transparecer um ar de felicidade consumista e uma embriaguez que não combinavam com a tensão que experimentava.

A estampa da loira radiante, aliás, lembrara-lhe de uma cena cinematográfica onde uma imagem semelhante aparecia em néon ocupando toda a parede lateral de um prédio alto.

Não sabia, no entanto, porque todas estas lembranças lhe vinham à mente, naquele momento, já que de nada lhes serviriam.

Pode ver ainda que sobre o pequeno móvel, escuro e torneado, estavam inúmeras garrafas vazias do refrigerante. Como diria o Aires, seu amigo politizado, fosse quem fosse que ocupasse aquela sala era uma pessoa coca-colonizada.

Estranho aquilo. Como poderia alguém consumir impunemente tanto refrigerante assim? Como poderia alguém exercer qualquer atividade naquele cubículo escuro e infecto?

De início, percebera aquilo tudo com dificuldade considerando a pouca luminosidade existente no local. Agora, com a vista já adaptada, podia ver com mais detalhes o local.

Em frente, sob a janela fechada, estava uma escrivaninha repleta de livros, pastas e papéis, colocados sobre ela de forma desordenada.

Por sobre a janela, na mesma parede, estava um grande relógio parado, como a indicar que para aquela pessoa o tempo era um elemento com o qual não deveria se preocupar.

Sentia, no entanto, que parecia estar ali há séculos, a espera de algo que nem mesmo sabia o que era. Por que entrara ali, naquela porta entreaberta, naquele dia? Que impulso esquisito o levara àquela sala escura e suja? Isso, não poderia responder. Sabia apenas que agora era tarde demais para voltar atrás! Não mais havia tempo para arrependimentos tardios. Tinha que seguir em frente. Sabia que era assim e assim seria.

Na parede do lado esquerdo, havia duas prateleiras onde várias caixas pequenas se amontoavam ao lado de uma pilha de jornais. De longe, podia sentir o cheiro da poeira e do papel velho amarelado. Para que diabo serviria aquilo? O que haveria dentro daquelas caixas que pareciam não serem abertas há tanto tempo?

Sob as prateleiras, um pequeno sofá preto e rasgado. Sobre o móvel, uma pele de gato-do-mato curtida, onde os dois olhos mortos eram as únicas coisas que luziam naquele recinto escuro.

De repente, abre-se a porta espalhando uma claridade intensa e alguém entra na sala. De relance, ainda pode ver o brilho de surpresa e medo nos olhos do recém-chegado, antes de apanhar uma das garrafas vazias e estourá-la na sua cabeça.

Saiu em disparada pelo corredor, enquanto o corpo caía e o sangue se espalhava pelo chão sujo da sala.

Recife, 2007



Nenhum comentário:

Postar um comentário