quarta-feira, 10 de agosto de 2016

INSTANTES: ANA ANDRADE



Do lado de lá
o improvável,
tão distante de mim...
....e tão perto de ti!


A ENFERMIDADE

O tratamento deixava-a deprimida e agoniada, já para não falar do cansaço. Era uma corrida contra o tempo e ela não estava disposta a perde-la, embora o desânimo e o medo a ensombrassem. Tentava não pensar muito, procurando alhear-se da realidade, mesmo que nem sempre o conseguisse. Por vezes o desespero e um sentimento de revolta, levavam-na a ser sarcástica, com as pessoas, para de seguida se arrepender, afinal elas não tinham culpa, que por algum desígnio misterioso, a doença a tivesse escolhido.

Precisava de ficar só, para serenar um pouco e se preparar para os silêncios inquiridores a que era sujeita, sempre que regressava a casa. Aproveitou para se sentar num dos bancos que circundavam o jardim do hospital, olhando o constante vaivém de pessoas, tentando perceber pelas diversas fisionomias, os dramas escondidos, ou um sorriso que irradiasse alguma réstia de esperança.

O tempo estava frio, mas o sol brilhava com intensidade sob o céu descoberto, enfeitando-o de um azul mesclado, que se perdia para lá do horizonte. Agora dava-se conta do mundo ao seu redor e da sua beleza envolvente. Tinha desperdiçado grande parte da sua vida, com coisas menores, descurando o que de facto era importante. Aprendeu a valorizar mais os afectos, a olhar à sua volta com mais atenção, a ouvir o canto da natureza e a desligar-se das futilidades que nada acrescentavam ao seu quotidiano.

ANA ANDRADE

Uma menina sentado no banco ao lado, despertou a sua atenção, por ser diferente das outras crianças. Um gorro enfiado sobre a cabeça, escondia a falta de cabelo, o olhar triste e macilento denunciava a enfermidade: Parecia tão frágil e delicada, apesar da vivacidade que deixava transparecer, como que querendo dizer à infância para não se resignar. A mãe tinha um olhar triste e esforçava-se por sorrir, tentando conter uma lágrima, que teimosamente escorria... acolhendo-a nos seus baços, como se a pudesse proteger.

Sem querer, ouviu a menina dizer em jeito de consolação - Sabes porque Deus escolhe os meninos para morrerem? - a mãe abanou a cabeça e com a voz embargada perguntou - então porquê minha pequenina? - ao que ela respondeu - O Deus do céu, tem tanto que fazer, que precisa de anjos para o ajudarem, então ele escolhe os meninos especiais...

Não teve coragem de ouvir o resto, sentia-se perturbada pela ligeireza como a criança encarava a sua sua mortalidade. A vida, bem como a morte, nunca eram justas. Num passo apressado, dirigiu-se à saída, fugindo daquela realidade que a amedrontava.


Ana Andrade

Nenhum comentário:

Postar um comentário