terça-feira, 18 de outubro de 2016

COLUNA DO CLÓVIS


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A DOENÇA DE DEUS

(Por Clóvis Campêlo) Já faz tempo que os muros de Londres foram pichados com a frase famosa.

Em 1966, eu ainda morava no Pina, pescando, jogando bola e acompanhando a trajetória dos Beatles e dos Brecheiros, os ted boys que incomodavam o bucolismo e a lentidão do bairro. A juventude era bela, poderia até me arriscar. Porém, se os Beatles revolucionaram o mundo, a revolução dos Brecheiros logo acabou, afundada nas drogas, na ilicitude e nas ruas do Pina.

E olhe que quase tudo nos parecia ser tão lógico. Hoje, dos Beatles, apenas dois sobrevivem. Os Brecheiros, morreram todos. O último, talvez, tenha sido Marco Bobão, morto quando o bairro já começava a se transformar, remodelado pela especulação imobiliária e pela engenharia das largas avenidas, que espantou terreiros de macumba, afoxés e maracatus, gafieiras, pescadores e o lúmpen proletariado que lhe era habitual. Ali conviviam o mundo pop de então, trazido pelo rádio, televisão e cinema, e a cultura popular dos excluídos e marginalizados. O Pina era um caldeirão cultural que fervia e cheirava mal.

A classe média, que admirava os Beatles e temia a ousadia dos Brecheiros, porém, não só sobreviveu como aumentou o seu espectro e se consolidou. Os tempos começavam a mudar. Enquanto os Beatles cantavam All You need os love, os Brecheiros olhavam escondidos as moças de família da classe média pinense tomando banho ou vestindo seus pijamas e camisolas para dormirem. Eu, nunca tive essa coragem, embora tivesse a vontade. Afinal, as filhas da classe média daquela época já eram belas e apetitosas. Hoje, são todas respeitáveis e loiras senhoras, embora algumas ainda mantenham um certo e discreto charme.

Mas, onde entraria Eric Clapton nisso tudo? Em 1966, London City teve os seus muros pichados por jovens enlouquecidos pela maconha e pelos acordes das guitarras de Clapton. Para eles, Deus era Clapton (ou vice-versa). Clapton tinha então vinte anos de idade, e dominava a cena pop inglesa tocando com os Beatles e os Rolling Stones, entre outros. Nas horas vagas, compunha músicas para a esposa do amigo fiel e traído. O nosso “Deus” ainda tinha as gônadas funcionais e atrevidas. O futuro absorveria e absolveria o ato. A música pop ganhava outros clássicos musicais para lhe alimentar a saga de lucros e todos viveriam felizes para todo o sempre. Para que fomentar sacrilégios inúteis?

CLÓVIS CAMPÊLO


Hoje, vejo no blog Sonoridades, do reacionário e careta Estadão, que aos 71 anos de idade, Clapton sofre de neuropatia, doença que geralmente acomete diabéticos e hipertensos. E tudo começou com inexplicáveis dores nas costas. A doença é incurável e provoca danos irreparáveis no sistema nervoso. Como diria Lupicínio, não há nervos de aços que resistam e estejam imunes a tantos adjetivos.

A realidade é que Clapton (ou God) envelheceu e está doente. E do mesmo modo que o tempo levou o vento dos anos 60, carregando os sons e as ousadias daquela época, também se prepara para passar a limpo o que veio depois e o que hoje existe e persiste. Inexorável tempo, mestre de todas as criações e de toda a destruição da vida.

Recife, outubro 2016

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