quarta-feira, 24 de maio de 2017

SUA EXCELÊNCIA, O CONSULTOR


Andava impecavelmente vestido. Era admirado pelas mulheres; invejado pelos homens. Charmoso, primava pela extrema cordialidade. Cumprimentava os funcionários, dos porteiros aos membros da diretoria, sempre com um sorriso. Por isso, muitos deles – e delas, principalmente – aguardavam ansiosos suas visitas semanais à empresa, da qual era consultor jurídico. Não havia também quem não admirasse seus conhecimentos. Como pode um homem tão jovem saber tanta coisa? Era o que, admirados, muitos se perguntavam.  

Doutor Hélio era um encantador de serpentes. Cobrava caro pelos serviços, mas isso não incomodava nenhum um pouco os sócios da metalúrgica – três irmãos, gente de origem humilde, meio bronca, quase analfabeta, mas vencedora. Doutor Hélio lhes dava prestígio. Contar com sua assessoria – e de sua equipe – não era café pequeno, coisa para qualquer empresa de médio porte, não.

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Nas reuniões semanais, nosso consultor, ante qualquer indagação sobre isso ou aquilo, deitava falação, citava leis e mais leis, artigos e mais artigos, incisos, alíneas e tudo o mais que fosse preciso. De chofre. E sem consultar nenhum código, nenhuma colinha. Era um sábio, sem dúvida. Um Rui Barbosa contemporâneo. Muitos lhe perguntavam por que ainda não fora nomeado ministro da Justiça. Limitava-se a sorrir: “O tempo é o senhor da razão.”

Ninguém entendia por que o gerente Geraldo Galdino, o GG, nutria tamanha aversão por doutor Hélio. Um dia, o funcionário, um dos mais antigos da empresa, resolveu procurar um dos sócios, solicitar uma reunião particular e rasgar o verbo:

-- Há mais de ano, venho fazendo anotações. Toda lei que doutor Hélio cita de cabeça, sem consultar livro algum, anoto disfarçadamente. Em casa, pesquiso para saber se aquilo existe mesmo. Para minha surpresa, na esmagadora maioria dos casos, as leis não existem. Quando existem, tratam de assuntos diferentes dos que foram abordados na reunião. O homem é uma farsa.

O sócio nada disse a GG, além de um displicente “vou pensar no caso”. Dias depois, Galdino foi demitido, sem nenhuma explicação. Quando soube da demissão e, principalmente, das razões que a motivaram, doutor Hélio manteve a fleuma:

-- Nunca quis dizer nada a vocês. Mas Galdino sempre me pareceu um desagregador. Que pena. Inveja mata.Ele que trate de estudar. (atualizado em maio de 2017)

LEIA TAMBÉM:

JUSTIÇA: Não se deve condenar toda espécie pela ignorância da maioria. 
Em "Rapidíssimas", por Orlando Silveira.
http://orlandosilveira1956.blogspot.com.br/2017/05/rapidissimas_23.html#comment-form

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