sábado, 14 de outubro de 2017

POLÍTICA/OPINIÃO: NELSON MOTTA

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Foto: Shutterstock

NOS OLHOS DE QUEM VÊ

Americanos se incomodam com contatos físicos, 
ficam tensos, afastam o corpo e evitam beijos. 
Freud dizia que onde há medo há desejo

Por Nelson Motta
O Globo – 13/10/2017

Assim como a beleza, a obscenidade e a perversão estão nos olhos, e na cabeça, de quem as vê nos atos mais inocentes e naturais.

No Colégio Santo Inácio, eu e o amigo Miguel Faria tínhamos 14 anos e éramos loucos por cavalos. Vivíamos no Jockey, sabíamos filiações, retrospectos, jóqueis e treinadores, matávamos aula para ir às corridas e jogávamos até o dinheiro que as mães nos davam para o lanche.

Um dia, os padres descobriram as fugas, e nossos pais foram chamados ao colégio e, diante deles, fomos acusados pelo padre de ir ao Jockey, não para jogar, mas para ver os cavalos trepando. O pervertido sequer sabia a diferença entre um hipódromo e um haras, só pensava naquilo.

Uma noite, no Canecão, estava com minha filha Joana, uma gata de 17 anos, quando ouvimos no escuro uma mulher sussurrando na mesa ao lado: “Que nojo esse Nelson Motta, com uma garota que podia ser filha dele”. Joana revidou na hora: “Eu sou filha dele.”

Quando morava em Nova York, notei que nos restaurantes nos olhavam esquisito quando me viam com minha filha Nina, uma linda garota de 18 anos, trocando gestos de carinho e afeto, como sempre fizemos, bem à brasileira.

Pela cultura puritana, americanos se incomodam com contatos físicos, mesmo amigos evitam beijos, abraços e gestos carinhosos, tipicamente latinos. Ficam tensos, afastam o corpo, parece que temem algum desdobramento indesejado, ou desejado demais: Freud ensinava que onde há medo há desejo.

Então, resolvemos nos divertir com aqueles pervertidos que nos viam, certamente com secreta inveja, como um devasso de 54 anos e uma jovem depravada. Nos beijávamos e abraçávamos nos restaurantes como se estivéssemos em casa: com amor, inocência e naturalidade, e ficávamos olhando, e rindo, dos que nos olhavam com raiva e reprovação.

E no final, o golpe mortal: Nina levantava o braço, chamava o garçom e pedia a conta. E pagava com seu cartão de crédito (de minha dependente)! Era intolerável: a jovem devassa ainda pagava a conta do velho tarado.

E saíamos abraçados e rindo das caras revoltadas, e invejosas, dos moralistas pervertidos.

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