quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

POLÍTICA/OPINIÃO: JOSIAS DE SOUZA

Foto: Jales Valker/Fotoarena

DIANTE DE TEMER, MORO
EXECUTA SHOW DE HUMOR

Para Moro, se houver mudança nas regras que permitem
mandar para atrás das grades os condenados em segunda
instância, será um grave retrocesso

Por Josias de Souza
06/12/2017 | 03:54


Agraciado pela revista IstoÉ com o prêmio Brasileiro do Ano, Sergio Moro dividiu o palco com Michel Temer e outros personagens em litígio com a lei. O juiz da Lava Jato tinha duas alternativas: ou encarava o inusitado com um sentido de absurdo ou enxergava tudo sob a ótica do deboche. Preferiu encarar a situação como uma piada. Ao discursar, o juiz da Lava Jato revelou-se um humorista insuspeitado.

Moro falou sobre providências que precisam ser adotadas ou evitadas para combater a “corrupção sistêmica” que assola o país. Reiterou, por exemplo, a defesa da regra que abriu as portas das celas para os condenados na segunda instância. Injetou uma certa ponderabilidade cômica na cena ao pedir ajuda a Temer.

Com duas denúncias criminais no freezer, Temer terá de acertar contas com a Justiça depois que deixar a Presidência. Num instante em que seus aliados tramam aprovar um mecanismo qualquer que mantenha ex-presidentes fora do alcance de ordens de prisão de juízes como Moro, o comediante sugeriu a Temer que se enrole na bandeira da prisão em segundo grau:

''Mais do que uma questão de justiça, é questão de política de Estado”, disse Moro. Ele pediu a Temer que “utilize o seu poder” para influenciar o Supremo Tribunal Federal, de modo a desestimular a mudança da regra. “O governo federal tem um grande poder e grande influência. E pode utilizar isso. Se houver mudança, será um grave retrocesso.”

“Moro defendeu o fim do foro privilegiado diante de Moreira Franco,
o amigo a quem Temer fez questão de presentear com o escudo”

Um detalhe potencializou o teor humorístico do pedido que Moro dirigiu a Temer: o ministro Gilmar Mendes, amigo e conselheiro do presidente, é o maior defensor da política de celas vazias no Supremo.

Gilmar compôs a maioria de 6 a 5 que autorizou a prisão de condenados em tribunais de segundo grau. Mas já deixou claro que pretende mudar o seu voto quando a questão retornar ao plenário da Suprema Corte. Foi como se Moro sugerisse a Temer dizer algo assim para Gilmar: “Tem que manter isso, viu?”

Como em todo bom espetáculo de stand-up comedy, Moro falou como se extraísse da plateia motes para suas anedotas. Defendeu o fim do foro privilegiado diante de Moreira Franco, o amigo a quem Temer fez questão de presentear com o escudo. Concedeu-lhe o título de ministro e o consequente direito de ser julgado no Supremo depois que o companheiro virou o “Gato Angorá” das planilhas do Departamento de Propinas da Odebrecht.

“Destoando do resto dos presentes, o presidente e seus
acompanhantes não ficaram em pé quando Moro subiu
ao palco para receber o seu prêmio”

O foro concede ''privilégios às pessoas mais poderosas'', declarou Moro, arrancando efusivos aplausos da audiência. ''Seria relevante eliminar completamente o foro ou trazer uma restrição ao foro.'' Como juiz, Moro também dispõe de foro especial. ''Não quero esse privilégio para mim'', refugou, sob aclamação.

Temer e Moreira abstiveram-se de aplaudir Moro. Outros acompanhantes do presidente também sonegaram ao juiz a concessão de uma salva de palmas. Entre eles o presidente do Senado, Eunício Oliveira, o “Índio” da planilhas da Odebrecht.

Como que decidido a borrifar graça na atmosfera, Moro sugeriu ao ministro da Fazenda, também presente à premiação, que seja mais generoso com a Polícia Federal: “Pedindo vênia ao ministro Henrique Meirelles, que faz um magnifico trabalho na economia, me parece que alguns investimentos são necessários para o refortalecimento da Polícia Federal. O investimento na atuação do Estado contra a corrupção traz seus frutos.”

Temer discursou depois de Moro. Mas não disse palavra sobre Lava Jato ou o combate à corrupção. Preferiu bater bumbo pela reforma da Previdência.

Destoando do resto dos presentes, o presidente e seus acompanhantes não ficaram em pé quando Moro subiu ao palco para receber o seu prêmio. Durante o discurso do juiz, exibiam cenhos crispados. Tratados como reformadores morais, as piadas não acharam graça de si mesmas. Por sorte, o humor compreende também o mau humor. O mau humor é que não compreende coisa nenhuma.

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