quarta-feira, 2 de agosto de 2017

CRÔNICA: WALCYR CARRASCO

Resultado de imagem para imagens fotos no celular

 FOTOS NO CELULAR? SOCORRO!

Seleciono as fotos que vou imprimir.
Não quero deixar momentos bons
em algum celular velho

Por Walcyr Carrasco
Época Digital
01/08/2017 - 11h14

Lançamento de novela. Festa. Imprensa. Emoção. Minha obra! Um garçom, alguns metros à frente, passa com uma bandeja de água e refrigerantes. Morro de sede. Quero um refrigerante. Dou um passo. Uma jovem aproxima-se sorrindo, celular na mão.

– Posso fazer uma foto?

Sorrio de volta, expondo todos os meus dentes como um jacaré. Ela clica.

– Ah, desculpa, não saiu boa. Vou fazer outra.

Já proprietária de mim, afasta-me uns metros para uma posição melhor. Clica de novo. Termina. O garçom na direção contrária. Que sede. Alguém me puxa. Celular na mão. Sorrio de novo. E de novo, de novo, de novo. Quando finalmente alcanço o garçom, a Coca Zero que eu queria acabou. Vou pedir para trazer uma, mas alguém me puxa para... uma foto!

Já ouço alguém dizendo que é o ônus de ser famoso. Não é. Tente dar uma festa de aniversário. Você passará o tempo todo peregrinando de foto em foto com os convidados. Se quiser comer uma fatia de seu próprio bolo em paz, terá de se trancar num armário. Quanto maior a festa, mais e mais fotos. Sempre o mesmo mantra.

– Deixa fazer mais uma para ficar boa...

E você estica os lábios de novo, para imortalizar aquele momento de felicidade. Huuumm... bem... felicidade? Certa vez, viajei com um amigo. Como ele é alto e de braço comprido, entrou num rio e fez bem uns 40 selfies dele mesmo sorrindo. O sorriso só sumiu quando o celular mergulhou no rio.

Acredito que a maioria, hoje, prefere fotografar a desfrutar uma viagem. No exterior, registram monumentos, fazem selfies em frente a paisagens. Mas será que realmente veem a paisagem? Houve um tempo em que se fazia piada dos turistas japoneses. Todos passavam a viagem no clique, clique. A piada acabou, o clique, clique se tornou mundial. O que acontece com o resultado de tanta atividade fotográfica?

Nada.

Houve a época dos slides. Para mostrar, era preciso um projetor. Quando um amigo incauto visitava, era obrigado a assistir. Um tédio enquanto se viam os pombinhos na praia, na montanha, posando com esquis velhos. Era obrigatório gostar. Mas essencial medir as palavras.

– Bonito aquele hotel que vocês ficaram.

– Gostou? Mostro de novo!

Agora, na época fluida do registro eletrônico, nem existe mais visita para ver slides. As pessoas publicam fotos e vídeos nas redes sociais o tempo todo. Querem que o universo contemple um café expresso. Se querem mostrar algo, pessoalmente, deslizam as imagens pelo celular, uma atrás da outra.

O pai orgulhoso:

– Vai ver a gata que minha filha ficou.

Vejo um antúrio.

– Não, não é isto aqui.

Desliza. Uma festinha de aniversário.

– Foi o aniversário do filhão. Bonitinha a foto, não, esta aqui com sorvete no nariz. Quase congelou o narizinho coitado, de tanto botar sorvete para dar o clique. Espera.

Desliza. Ele, a mulher e dois casais comem pizzas.

Desliza. Um nude do casal.

– Ixi, não conta para minha mulher que você viu, prometi deletar.

Que compulsão é essa de fazer nudes?

Desliza. Surge um rapaz bombadão. Pelado. Dá um grito. Desliza. Aparece a foto de uma adolescente com aparelho nos dentes. Mas já perdeu a vontade de mostrar imagens. Imagino o que mais tem no celular.

Contemplo meu próprio aparelho. A memória carregada de fotos. Tornou-se falta de educação não registrar certos momentos. Amigo clica, clico de volta. Como se retribuísse. O que vou fazer com tudo isso, apagar? Minha mãe deixou-me um álbum de fotografias. Às vezes, folheio, vejo minhas fotos de menino, parentes. Quando as vejo, compartilho aqueles momentos bons, específicos. Sinto uma emoção. Quero fazer como minha mãe, preservar imagens.

Corajosamente, falo com meu assistente, Felippe.

– Quero imprimir as fotos do meu celular.

– Ninguém mais faz isso – revolta-se ele.

– Se existe serviço de impressão, é porque fazem.

Assim, neste exato momento, seleciono as fotos que vou imprimir. Depois, o que farei com elas? Talvez um velhinho numa lojinha centenária encontre um álbum de fotografias cheio de poeira. E me venda. Se é que ainda existirão velhinhos e lojas centenárias. Colarei as fotos nas páginas, revivendo a cada uma a emoção. É coisa antiga, sei. Mas não quero abandonar momentos tão bons, família e amigos tão queridos, em algum velho celular descarregado.

***

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